Aqueles Dois
Ligaram-na em uma terça-feira no início da noite. Fizeram um pedido inconveniente, não seria a primeira vez. Lembra daquele meio primo? Mais ou menos. Era apenas uma criança quando o conheceu. Morava consideravelmente longe, não eram assim tão parentes, fazia pelo menos oito anos que não o via.
Colocaram-no na linha. Agora tinha que ser simpática. Não foi difícil para ela, era assim naturalmente. Também não pareceu difícil para ele, tinha um sotaque engraçado, do cerrado. Ele não sabia se ela era ela ou a irmã, que também conhecera. Ela não sabia se ele era ele ou o irmão.
Achou bizarro, mas depois esqueceu. Terminou a semana como todas as outras. Voltaram a insistir. O garoto estava sozinho entre os velhos, queriam que o levasse para sair. Ela precisava ir a uma festa promovida pelo trabalho, tinha ingressos, ofereceu, avisou que seria ruim, ele aceitou.
A sexta-feira chegou junto com um desencontro. Achou que ele não viria. Tudo bem, não estava com muito saco de cuidar de crianças mesmo. Foi a um bar antes da festa, onde costumava encontrar com amigos. Logo que chegou o telefone tocou. Houvera um engano, ele estava a caminho. Que saco, comentou com alguém.
Quando o viu levou um susto. Que olhos azuis. E que sotaque engraçado. Caminharam até o local da festa bem devagar. Demonstravam um interesse espontâneo um pelo outro. O que tem feito? No que se formou? Onde trabalha? Onde mora? Algumas pessoas a cumprimentaram no caminho e ele quis entender por que ela era tão popular. Movimento estudantil, essas coisas. Ah, você tem cara, eu nunca me meti nisso. As histórias dele eram de viagens. Ele não parecia fazer mais nada da vida além de viajar.
Ela achou o lugar da festa com um aspecto horrível, dos piores já presenciados. Nos primeiros 15 minutos lamentou tê-lo trazido ali. Então ele a convidou para dançar. Não, nem pensar. Isso aí eu não danço não.
Ah, não vai me fazer essa desfeita.
Ela cedeu. Dançaram. Ele a ensinou, não com pouca dificuldade ela pegou o jeito. Resolveu se entregar ao ridículo. Dançou muitas músicas. Paravam uma, dançavam cinco. Os colegas de trabalho observavam assustados. Quem é ele e o que ela faz dançando lá no meio?
Quando o último conhecido se foi ele encostou o rosto em seu pescoço. Um beijo clichê, como tudo naquela história. Terminaram a música e sentaram para descansar. Acabara o assunto. Vamos embora? Não havia mais nenhum sentido em ficar ali.
Caminharam mais um pouco conversando. Fazia frio e os saltinhos dela estalavam nas calçadas do centro deserto da cidade. Antes que ela pudesse abrir a porta do prédio ele a parou, beijou-a, não queria deixá-la subir. Tudo bem. Sabia que iriam para a cama desde o primeiro contato por telefone, mas que subissem. Ele não quis. Queria tê-la ali mesmo. Resistiu. Cedeu. Aqueles olhos azuis.
Mais tarde, no quarto dela, ele dormiu no chão e ela na cama. Nenhum dos dois esperava algo mais do outro. Conversaram mais um pouco antes de dormir. De manhã acordaram cedo. Ela pulou para a cama dele. Rolaram um pouco, brincaram feito crianças. Ele questionava suas ideologias e ela o seu modo de vida descomprometido. Vieram buscá-lo e ela teve um sábado normal. À noite uma formatura. Domingo um almoço de família. Chegou atrasada, cumprimentou tios, primos e avós. Sentou ao lado do pai e, só depois, altiva, ousou olhá-lo. Ele correspondeu o olhar discreto. Tinham um segredo. Um delicioso segredo, que desafiava tudo representado naquela mesa. Família, moral, bons costumes e coisa e tal. Tudo muito comum, incluindo suas ousadias.
Passaram o dia juntos, sem beijos, sem sexo, como primos comportados. À noite se despediram, sem tocar no assunto. No dia seguinte ele se foi. E deixou nela uma vontade de ir junto. Não por ele, apenas por ir. Aí ela fez uma poesia assim:
“Chegou do nada com aqueles olhos do além
Pegou-me pela cintura
e nem perguntou se podia
Não perguntou se eu queria
e ainda contestou meus ideais
Depois foi embora
e deixou em mim
vontade de ir também”
Ligaram-na em uma terça-feira no início da noite. Fizeram um pedido inconveniente, não seria a primeira vez. Lembra daquele meio primo? Mais ou menos. Era apenas uma criança quando o conheceu. Morava consideravelmente longe, não eram assim tão parentes, fazia pelo menos oito anos que não o via.
Colocaram-no na linha. Agora tinha que ser simpática. Não foi difícil para ela, era assim naturalmente. Também não pareceu difícil para ele, tinha um sotaque engraçado, do cerrado. Ele não sabia se ela era ela ou a irmã, que também conhecera. Ela não sabia se ele era ele ou o irmão.
Achou bizarro, mas depois esqueceu. Terminou a semana como todas as outras. Voltaram a insistir. O garoto estava sozinho entre os velhos, queriam que o levasse para sair. Ela precisava ir a uma festa promovida pelo trabalho, tinha ingressos, ofereceu, avisou que seria ruim, ele aceitou.
A sexta-feira chegou junto com um desencontro. Achou que ele não viria. Tudo bem, não estava com muito saco de cuidar de crianças mesmo. Foi a um bar antes da festa, onde costumava encontrar com amigos. Logo que chegou o telefone tocou. Houvera um engano, ele estava a caminho. Que saco, comentou com alguém.
Quando o viu levou um susto. Que olhos azuis. E que sotaque engraçado. Caminharam até o local da festa bem devagar. Demonstravam um interesse espontâneo um pelo outro. O que tem feito? No que se formou? Onde trabalha? Onde mora? Algumas pessoas a cumprimentaram no caminho e ele quis entender por que ela era tão popular. Movimento estudantil, essas coisas. Ah, você tem cara, eu nunca me meti nisso. As histórias dele eram de viagens. Ele não parecia fazer mais nada da vida além de viajar.
Ela achou o lugar da festa com um aspecto horrível, dos piores já presenciados. Nos primeiros 15 minutos lamentou tê-lo trazido ali. Então ele a convidou para dançar. Não, nem pensar. Isso aí eu não danço não.
Ah, não vai me fazer essa desfeita.
Ela cedeu. Dançaram. Ele a ensinou, não com pouca dificuldade ela pegou o jeito. Resolveu se entregar ao ridículo. Dançou muitas músicas. Paravam uma, dançavam cinco. Os colegas de trabalho observavam assustados. Quem é ele e o que ela faz dançando lá no meio?
Quando o último conhecido se foi ele encostou o rosto em seu pescoço. Um beijo clichê, como tudo naquela história. Terminaram a música e sentaram para descansar. Acabara o assunto. Vamos embora? Não havia mais nenhum sentido em ficar ali.
Caminharam mais um pouco conversando. Fazia frio e os saltinhos dela estalavam nas calçadas do centro deserto da cidade. Antes que ela pudesse abrir a porta do prédio ele a parou, beijou-a, não queria deixá-la subir. Tudo bem. Sabia que iriam para a cama desde o primeiro contato por telefone, mas que subissem. Ele não quis. Queria tê-la ali mesmo. Resistiu. Cedeu. Aqueles olhos azuis.
Mais tarde, no quarto dela, ele dormiu no chão e ela na cama. Nenhum dos dois esperava algo mais do outro. Conversaram mais um pouco antes de dormir. De manhã acordaram cedo. Ela pulou para a cama dele. Rolaram um pouco, brincaram feito crianças. Ele questionava suas ideologias e ela o seu modo de vida descomprometido. Vieram buscá-lo e ela teve um sábado normal. À noite uma formatura. Domingo um almoço de família. Chegou atrasada, cumprimentou tios, primos e avós. Sentou ao lado do pai e, só depois, altiva, ousou olhá-lo. Ele correspondeu o olhar discreto. Tinham um segredo. Um delicioso segredo, que desafiava tudo representado naquela mesa. Família, moral, bons costumes e coisa e tal. Tudo muito comum, incluindo suas ousadias.
Passaram o dia juntos, sem beijos, sem sexo, como primos comportados. À noite se despediram, sem tocar no assunto. No dia seguinte ele se foi. E deixou nela uma vontade de ir junto. Não por ele, apenas por ir. Aí ela fez uma poesia assim:
“Chegou do nada com aqueles olhos do além
Pegou-me pela cintura
e nem perguntou se podia
Não perguntou se eu queria
e ainda contestou meus ideais
Depois foi embora
e deixou em mim
vontade de ir também”
Autor: Francine Hellmann
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